
Rio - No dia 8 de janeiro de 1959 Fidel Castro desceu da Sierra Maestra para a sua entrada triunfal em Havana, depois de haver derrubado, pelas armas, o regime do ditador Fulgêncio Baptista. Poucos meses depois, nos primeiros dias de maio, desembarcou no Galeão para uma visita triunfal ao Rio, que o recebeu, então, em estado de fascínio.
Trouxe uma comitiva de cabeças coroadas de Sierra Maestre, inclusive as duas maiores estrelas da companha abaixo dele — os legendários Camilo Cienfuegos e Ernesto Chê Guevara. Todos eles pareciam muito jovens... Exibiam vastas barbas negras. Vestiam sempre os uniformes verde-oliva de campanha.
O grande momento se deu na véspera da volta a Cuba. Nesse dia 6 de maio, Fidel Castro almoçou com o presidente da República, assistiu a uma espetacular manobra militar no Batalhão da Guarda, foi recebido pelo poderoso ministro da Guerra, discursou em um grande comício no Castelo, foi homenageado com um banquete na mansão do famoso advogado José Nabuco, no alto do Humaitá, com a presença da alta sociedade do Rio.
Ali, acabou enfeitiçado pelos encantos de formosa dama, com quem viveu um discreto e “torrencial love affair” – no dizer do colunista Ibrahim Sued, que, como bom repórter, jamais revelou nome e sobrenome que, aliás, eram a própria fonte...
Recebi a incumbência de cobrir a comitiva dos barbudos para o Diário de Notícias, onde trabalhava na Política. A meu lado, outros jovens repórteres como Cícero Sandroni, Murilo Melo Filho (hoje imortais da ABL), Márcio Moreira Alves, Wálter Fontoura, Pedro Gomes, Francisco Pedro do Coutto e outros em que a memória não me socorre.
Sem falar nos inumeráveis repórteres fotográficos, uma seleta de craques do ramo como José Medeiros, Adyr Vieira, Campanella Neto, Alberto Ferreira, Luigi Mamprin, Luís Carlos Barreto, Gervásio Batista e outros, que seguiam os barbudos para todo lado.
Na manhã daquele dia, um major do Exército apareceu às 7h no Hotel Excelsior, para levar Fidel Castro ao Batalhão de Guardas, onde haveria exercício militar em sua homenagem. O horário não agradou porque Fidel dormira muito tarde (depois de uma recepção na Embaixada de Cuba, na Rua Djalma Ulrich) e se sentia cansado. Ele pediu que a visita fosse adiada para as 10h, mas o major disse que não seria possível e Fidel acabou concordando em madrugar.
Sangue
De tarde, depois do almoço oferecido por Juscelino Kubitschek no Palácio das Laranjeiras, Fidel Castro teve o famoso encontro com o marechal Teixeira Lott, ministro da Guerra, no gabinete deste. Lott pediu desculpas por só falar português. Lá pelas tantas, o marechal passou a fazer comentários sobre episódios da Historia do Brasil, na qual disse serem muito raros os casos de derramamento de sangue. A resposta de Fidel Castro, bem me lembro, foi impressionante. Com toda naturalidade, ele disse: “Mas às vezes é necessário ter coragem pra derramar sangue. A começar pelo próprio.”
Naquele instante, Fidel nos parecia — e era — um grande, forte e verdadeiro herói. Depois, tornou-se uma controvérsia. Como tal, na sua própria e famosa sentença, a história o julgará.
Jornada Inesquecível
Na recepção de José Nabuco, Fidel Castro — que vinha fuzilando gente do regime anterior — se viu confrontado com queixa de Ademar de Barros, então prefeito de São Paulo, contra o ‘paredon’: “No Brasil, somos avessos ao derramamento de sangue”. Sem conhecer Ademar, muito menos a legenda do ‘rouba mas faz’, ele provocou gargalhada geral na roda ao responder na bucha: “Perdão, senhor, mas só estamos fuzilando os grandes ladrões do meu país.”
Na visita ao Batalhão de Guardas, ele assistiu a um exercício de combate com mais de mil soldados, jipes, caminhões e ambulâncias. Quando duas metralhadoras antiaéreas começaram a atirar (tiros de festim) contra o inimigo imaginário, deu-se por alguns minutos movimentação incessante. Fidel me pareceu aflito, mas procurou olhar para todos os lados a fim de não perder um só movimento dos soldados.
No almoço de Juscelino, Fidel conversou a maior parte do tempo com o presidente, o general Nelson de Mello, o vice-presidente João Goulart, sentado bem à sua frente, e o chanceler Negrão de Lima. No menu, entre vinhos, um belíssimo vatapá baiano que Fidel adorou.
Depois da sobremesa, a um sinal de Fidel, um dos seus ajudantes mandou pelo maitre um enorme charuto. Mas como ninguém fumasse, ele ficou com o havana apagado entre os longos dedos até a saída.
Na varanda, depois de ter acendido o charuto, Juscelino ofereceu-lhe um exemplar da Bahia, que Fidel agradeceu com educado entusiasmo. Mais tarde, a caminho do hotel depois da visita ao marechal Lott, estourou pneu do Lincoln da presidência da República. Fidel fez o resto do percurso no carro do chefe dos agentes de segurança da Polícia Federal, inspetor Chediak, que me contou: “O homem adora armas. O tempo todo examinou as pistolas e as metralhadoras.”
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