domingo, 26 de abril de 2009

BODAS DE PRATA Por: Sebastião Nery

RIO – Lá fora, o general Newton Cruz, o Nini, todo garboso em seu cavalo mussolínico, esmurrava deputados, prendia estudantes, jogava bomba em jornalistas e batia de rebenque nos carros que passavam buzinando o final dramático da campanha das “Diretas Já”.
Lá dentro, na tribuna da Camara,Ulisses Guimarães presidente do PMDB, denunciava a transformação de Brasilia em uma praça de guerra e o cerco militar ao Congresso, última tentativa da ditadura para impedir a aprovação da emenda Dante de Oliveira. Terno escuro, gravata amarela ouro, Ulisses estava possuído pela alma do povo, pela esperança do pais:
- “A nação me autoriza a anunciar que quero o dialogo. O dialogo público perante a imprensa, o rádio e a televisão, testemunhado e fiscalizado pelo acesso livre às galerias e dependências do Congresso Nacional. Sem a mordaça da censura, sem o general Newton Cruz tirar abusivamente os passageiros dos ônibus e automóveis da cercania de Brasília, ameaçando com baionetas, metralhadoras e pregos nas estradas”.
ULYSSES
Foi um dos mais arrebatadores discursos da história do parlamento brasileiro, naquela tarde de 24 de abril de 1984, véspera da votação. Plenário lotado, galerias superlotadas, todos os salões cheios:
-“Vi o amarelo vestir de esperança o Brasil. Vi a história brotar nas ruas e na garganta do povo. O país é o território, a nação é a história e a civilização, o povo é a pátria. Não há pátria sem a verdade, a justiça e a liberdade. A pátria é o povo e o povo vencerá”.
Foi interrompido 23 vezes. Terminaram com o hino Nacional e “Um, dois, três, quatro, cinco mil, queremos eleger o presidente do Brasil”.
SARNEY
Depois do discurso da oposição, todos esperaram o discurso do governo. Tinha falado o presidente do PMDB. Era hora do presidente do PDS. Mas o senador José Sarney, como sempre, escondido atrás de seus bigodes de poodle asssutado, sumiu. Distribuiu à imprensa uma nota reles:
- “O discurso do presidente do PMDB foi uma palavra de intolerância. Sua linguagem é arrogante e autoritária. Investe-se unilateralmente de um mandato que não obteve do país, falando em nome dele e de todos, por delegação das palmas e não dos votos. O PDS repele o radicalismo. As “Medidas de Emergência” estão na Constituição”.
DIRETAS JÁ
No dia seguinte, 25 de abril, 25 anos hoje, 298 deputados votamos pelas “Diretas Já”, 65 votaram contra e 3 se abstiveram. Sarney mais uma vez tinha cumprido o destino de capacho do poder. Obrigado, obedeceu, e tornou-se o porta-voz do atraso e da ditadura. Disse que Ulisses tinha “delegação das palmas e não do voto”, insinuando que o partido presidido por ele, o PDS, era a maioria e apoiava o governo e portanto ele Sarney é quem falava pela maioria. Não foi o que a votação revelou.
Só 65 seguiram Sarney e a ditadura. Aqueles 22 votos que faltaram, para que fossem alcançados os 320 necessários à aprovação, foram arrancados do Congresso pelo chicote do general Newton Cruz e pelo servilismo de Sarney, que de seu gabinete articulou até o fim para conseguir os 65 que impediram as Diretas. Era o legado maldito de Sarney, do seu PDS e da ditadura à história, que, em um truque diabólico, usou uma infecção hospitalar para entregar a Sarney a presidência da República.
LEONELLI E DANTE
Toda essa historia, hora a hora, está em um primoroso, documentado e indispensável livro que já aplaudi aqui quando saiu, em 2004: “Diretas Já – 15 meses que abalaram a Ditadura”, de Domingos Leonelli e Dante de Oliveira. As trágicas 24 horas que antecederam o dia 25 estão ali contadas:
1 – “O deputado federal pelo Paraná, Hélio Duque, ocupando a liderança do PMDB, viu militares em traje de combate cercando o Congresso. Montando um fogoso cavalo, o general Newton Cruz.
- “Retire-se dessa soberana área do poder Legislativo! Ou então invada o prédio do Congresso e assuma de vez a ditadura”!, disse Duque.
2 – “Uma equipe da TV Manchete, ao tentar filmar o cerco, é detida. O deputado Hermann Neto (morto dias atrás) tentou intervir para libertar os jornalistas e acabou recebendo ordem de prisão. Hermann não vacilou. Estendeu os pulsos para receber as algemas, constrangendo o policial”.
NEWTON CRUZ
3 – “Os deputado Aldo Arantes, do PMDB – PC do B de Goiás e Jaques d’Ornelas, do PDT do Rio, resolveram acompanhar os estudantes que depois das 21 horas começavam a se retirar do Congresso. Logo na Esplanada dos Ministérios as tropas comandadas pessoalmente pelo general Newton Cruz avançaram sobre os manifestantes com bombas de gás lacrimogêneo, explodindo também em cima de jornalistas. Os dois deputados foram a um áspero bate boca com o general:
- “Comunista, cale a boca”! Gritou o general Newton Cruz.
- “Não, general! Não vou calar a boca e ninguém vai mais calar a boca neste país”!, respondeu d’Ornellas.
4. - “O general desferiu um soco no peito do deputado carioca, que também era militar e fora sargento da Marinha. Para espanto de todos, d’Ornellas reagiu com um empurrão no general. Cruz, possesso, deu voz de prisão para os dois parlamentares e vários que testemunharam o fato
O Congresso não pode deixar de honrar essas Bodas de Prata.
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