Um exemplo disso começa a acontecer na Inglaterra, quando as autoridades estão tirando dos currículos escolares informações sobre o holocausto sob o falso argumento de que insistir nesse assunto poderia provocar os muçulmanos que vivem no país e negam categoricamente a sua existência.
Diante de tal situação, cabe uma reflexão: até que ponto os estados devem se preocupar em alinhar-se com os clérigos? Não podemos negar a importância das religiões, mas elas funcionam como um remédio “tarja preta” e pode ter efeitos colaterais graves em pessoas despreparadas para discernir os fundamentos de sua religião.
É salutar a convivência harmoniosa entre estado e religiões, mas os interesses maiores da nação devem suplantar a ideologias religiosas, por mais importantes que sejam. As religiões, em geral, melhoram o caráter das pessoas, mas pode ser um remédio forte demais para uns poucos que se encaminham rumo ao radicalismo.
Multiplicidade
O próprio fato de termos várias religiões já indicam que os Estados devem manter-se laicos justamente para ser o fiel da balança e preservar o conceito moderno de democracia, já que as religiões, em geral, funcionam como uma espécie de mini-estados totalitários onde os seus “cidadãos” pouco ou nada podem fazer para contrariar decisões que emanam de seus líderes. Na maioria dos Estados, a monarquia foi abolida e os líderes são eleitos por um período limitado de quatro ou cinco anos, permitindo-se, em alguns casos a possibilidade de reeleição. Nas instituições religiosas, ao contrário, seus líderes, na melhor das hipóteses, sujeitam-se apenas a um colegiado, corporativista por sinal, e, salvo raríssimas exceções, permanecem na liderança por tempo indefinido.
Mas é errado as religiões encapsularem uma espécie de mini-estado, com sua autonomia própria no campo eclesiástico? Seria correto o Estado laico intervir em questões administrativas e de associação das igrejas? Penso que não. As religiões, na verdade, nasceram bem antes do Estado. No dia em que a democracia secular for aplicada ao contexto eclesiástico as religiões simplesmente vão desaparecer. Não é isso que queremos. O que queremos é que as religiões continuem livres para exercerem suas atividades e liturgias e o Estado cuide apenas para o fato de que conceitos internos dessas organizações religiosas não interfiram na organização social de cada país.
Religiosos no poder
Esse conceito de que o Estado moderno deve ser laico faz com que muitas pessoas se preocupem com a participação de religiosos no poder. A justificativa parece válida quando avaliamos as seguintes perguntas:
“Poderá um pastor ou um padre governar um Município, um Estado ou uma Nação, sem querer transferir para os seus governados as convicções que externaram por toda uma vida”? Já imaginaram a situação do país governado por algum religioso que resolva proibir a transfusão de sangue ou simplesmente banir, por decreto, o consumo de certas bebidas ou comidas? Como esse governante iria lidar com a questão de saúde pública, principalmente em temas polêmicos como o aborto, a distribuição de preservativos e o controle de natalidade? Já imaginaram um padre ou um pastor tendo de apoiar a idéia defendida por alguns políticos sobre o casamento gay? Enfim, o Estado deve proteger todas as formas de manifestações religiosas e dar aos seus cidadãos a liberdade de culto, mas tendo o cuidado para evitar que conceitos religiosos permeiem a estrutura de governo.
Aqui cabe uma ressalva: é salutar a existência de vereadores, deputados e senadores que representem suas religiões no parlamento, mas a questão é: “o mesmo conceito valeria em relação ao Poder Executivo”? Que cada um faça uma reflexão e responda para si mesmo a esta pergunta.
Festividades religiosas
Sob esse mesmo conceito de “laicidade” algumas pessoas até questionam os feriados religiosos. Afinal de contas, como seria o país se de repente todas as religiões quisessem garantir que um de seus feriados constasse em nosso calendário. Em nosso país, praticamente todos os feriados religiosos estão fortemente ligados à religião católica, embora o Natal seja igualmente aceito por evangélicos, espíritas e outras vertentes oriundas do cristianismo.
Aqui em Rondônia os meios de comunicação exploraram exaustivamente a homologação do Dia do Evangélico. “O questionamento era: não haveríamos de igualmente exigirmos o Dia do Católico, Dia do Espírita, Dia do Mulçumano, etc”? Só que essas pessoas não atentaram para o fato de que, pelo menos em relação aos católicos, eles já têm o seu dia como Corpus Christi, Sexta Feira da Paixão, etc.
Debates à parte, penso que haja consenso na idéia de que os atuais feriados devem ser mantidos, mas com o cuidado para que novos feriados religiosos, sob qualquer pretexto, sejam inclusos no calendário oficial.
Daniel Oliveira da Paixão: Jornalista e Advogado
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